Enquanto uma nova técnica ganha as redes sociais, um novo debate sobre apropriação cultural ganhou espaço, buscando entender os limites das reproduções estéticas
Nascida a partir de técnicas de maquiagem, o "foxy eyes" se popularizou mundialmente, e se tornou febre entre as mulheres. Tanto que tem sido oferecida até como procedimento estético, oferecendo às clientes a opção de uma intervenção permanente ou uma que dure por até 24 meses. A técnica consiste no alongamento dos olhos, deixando "o rosto mais harmonioso e com uma expressão mais sensual", segundo a descrição do procedimento em uma das clínicas em que o "foxy eyes" é oferecido.
Na maquiagem, a nova tendência consiste em um esfumado mais trabalhado que passa a mesma sensação: olhos mais alongados. No entanto, detalhes como estes fizeram com que a comunidade de asiáticas amarelas se incomodasse com a apropriação de características próprias de seu biotipo. Inúmeros debates foram levantados sobre quais eram os limites que uma tendência de beleza poderia atingir para se tornar racista.
Para a estudante de pedagogia, Talita Okazaki, 20, a problemática do “foxy eyes” se encontra no propósito de quem o faz. Enquanto a técnica é vista como bonita em mulheres brancas, as asiáticas são vistas como motivo de risadas. “A tendência é racista a partir do momento em que os asiáticos amarelos sempre foram julgados e ofendidos com piadas do tipo ‘abre o olho, japonês’, ‘você nem enxerga direito’”, pontua.
Por outro lado, a estudante de relações públicas, Ji Choi, 21, acredita que uma tendência de beleza só se torna racista quando ridiculariza ou se apropria da cultura do outro. ”Ter ‘olhos puxados’ não é uma característica que somente asiáticos possuem. Há também negros, brancos, asiáticos marrons e indígenas que têm o olhar angulado naturalmente, esse não é o traço exclusivo dos amarelos”, argumenta.
Independente da opinião de cada um, a discussão sobre o “foxy eyes” foi utilizada para dar voz às mulheres asiáticas amarelas, que tiveram uma grande oportunidade de serem ouvidas - sendo que em alguns destes momentos, ainda faltou certa empatia com a vivência delas. ”Muita gente pede opinião perguntando se é racismo mas quando você diz que sim, só dizem ‘ah mas eu acho tão bonito, vou continuar fazendo’.
“Local de fala só é conveniente para algumas pessoas quando não altera o livre arbítrio delas de fazer o que bem entendem”, diz Talita. Mesmo assim, há pontos positivos extraídos das discussões. “Muitas pessoas não-asiáticas ficaram com bastante dúvida a respeito disso e algumas até vieram me perguntar. Achei isso bem bacana, pois percebi como a visibilidade dos debates da nossa militância está crescendo”, relatou Ji Choi.
No entanto, esta não é a primeira vez que uma tendência estética é vista como racista. Em outros momentos, técnicas de aumento dos lábios, contorno e até mesmo penteados entraram em discussão ao ofender uma etnia. Para Tinara Becker, publicitária, maquiadora profissional e educadora do SENAC/ Florianópolis, os padrões ainda estão sendo questionados de forma tímida, não sendo suficientes para derrubar o peso de grande influenciadoras que disseminam essas tendências. “A indústria cultural ainda sustenta estereótipos excludentes e reducionista. Caímos na armadilha de repetir padrões, de modo que somos manipulados com direcionamento para o consumo ou a necessidade de pertencimento ao grupo influente em questão”, analisa a especialista.
A maquiadora ainda se recorda da evolução do mercado da beleza, que hoje se tornou difícil de acompanhar. Há alguns anos, o desejo era imitar o que as atrizes da televisão ou modelo das revistas estavam usando; agora as redes sociais proporcionaram maior diversificação deste protagonismo, criando várias possibilidades para o surgimento de tendências. “Acredito que novas técnicas surgem por dois caminhos: primeiro pela a necessidade de diferenciação e evolução da cosmetologia com novos produtos, aqui vemos estudo e mais engajamento em preencher lacunas”, explica Tinara, “e segundo pela simples busca de visibilidade que quase sempre é impactada pelo absurdo, algo que faz com que se torne viral”, finaliza.
No caso do “foxy eyes”, as responsáveis pela popularização da técnica foram duas influenciadoras brancas: Bella Hadid, modelo norte-americana que acumula mais de 32 milhões de seguidores nas redes sociais, e Kendall Jenner, modelo, empresária e parte da família Kardashian, que conta com 137 milhões de seguidores no Instagram. A partir do número expressivo de jovens influenciadas, milhares de pessoas começaram a repetir esses padrões, tornando os “olhos alongados” a tendência de beleza do momento.
Enquanto mulheres brancas começaram a ser exaltadas por este “detalhes”, as asiáticas amarelas relembraram todos os momentos que não se encaixaram nos padrões de beleza e foram julgadas por seu biotipo. “Sempre me senti mal por não ter tal característica padrão branco europeu e só recentemente comecei a me aceitar”, relata Talita Okazaki, que ainda continua, “É muito difícil gostar de si mesmo quando as pessoas falam do seus olhos, do formato do seu rosto, do seu nariz, do idioma que você fala e até das comidas que o seu povo come”.
Para Ji Choi, mesmo que mulheres não-asiáticas se tornem adeptas do “foxy eyes”, apenas será ofensivo se elas expressarem uma intenção de apropriação. “Vi uma foto de uma menina ocidental puxando os olhos depois do procedimento dizendo ‘virei uma japonesa’. Isso me deixou bem desconfortável!”, afirmou a estudante, que ainda revelou que se for algo meramente estético e sem segundas intenções, não há porque dela se incomodar.
Enquanto isso, no meio profissional, a maquiadora Tinara Becker busca incentivar muita informação e discussão para suas aulas, no intuito de evitar que seus alunos reproduzam técnicas ofensivas. “Levo para a sala de aula muito embasamento teórico sobre a evolução da maquiagem e o papel que temos de não reproduzir comportamentos e técnicas, de modo que levemos em consideração as particularidades de cada cliente”, explica.
Ainda de acordo com a especialista em maquiagem, muitos profissionais acabam repetindo tendências ou falas equivocadas, por falta de conhecimento do papel social da maquiagem, ou simplesmente por estar em uma zona de conforto. “Não é tão simples introduzir um assunto de modo que o outro não fique na defensiva e se abra para ouvir”, afirma.
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